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Pipiri: cara e memória de uma Aracaju ancestral

Atualizado: 30 de jan.

Revista Pipiri FUNCAJU
Reprodução de página com texto de Alcides Melo sobre o artista Pipiri, Sumário e Capa da Revista PIPIRI - Ano I - Nº 00 - Dezembro/2024, lançada pela FUNCAJU no dia 23/12/2024

Senhor Pipiri… Senhor Pipiri… A voz ecoando nos corredores esquecidos do arquivo morto causou espanto e alvoroço, entre os sisudos documentos oficiais, manuscritos e encadernados em livros de capa dura.


Socorro! Terremoto! Gritaram as aranhas, donas e senhoras absolutas do labirinto de estantes por uma vida inteira. Era impossível que algo passasse por ali, imune ao emaranhado das teias. Uma traça medrosa, desfaleceu e escorregou parede abaixo.


Logo começou a circular o cochicho. Um certo Irineu Fontes, presidente de uma sigla estranha, FUNCAJU, resolveu vasculhar o solene e silencioso mundo da sombras, o repouso dos mais importantes documentos da municipalidade, à procura desse tal de Pipiri!


Os decretos-leis estavam furibundos. Não admitiam serem preteridos por um reles jornal. Tentaram convencer ofícios e memorandos a iniciarem uma rebelião! Não teve jeito. Aquela foi mesmo a vez do Pipiri – O Jornal da Cultura, ser trazido ao presente.


Um tapete vermelho seria estendido e ele, o velho malandro, convidado a desfilar. De modo que, recebendo notícia do antigo jornal, as novas gerações possam sentir a vibração cultural de uma Aracaju ancestral. Parece que chegamos ao grande dia!


Sim, minha gente, aquela cidade na qual nasceu o Jornal da Cultura, batizado Pipiri, só existe hoje como um legado quase invisível. Porém, seminal para sermos o que somos. Todos nós, unidos por qualquer laço que seja a esse pedaço de mundo chamado Aracaju.


Estávamos vivendo o crepúsculo de uma configuração cultural, urbana e social. O centro da cidade exercia a centralidade em diversas dimensões. Naquele caldeirão experimentávamos a imersão em uma atmosfera cotidiana de ebulição da intelectualidade pública.


Artistas, políticos, profissionais liberais, servidores públicos, estudantes, professores, jornalistas… Toda essa gente nos finais de tarde procurando uma bebida refrescante e uma boa conversa. O restaurante Cacique Chá era o umbigo da aldeia!


Em outra esquina da praça, avistada a olho nu, a Galeria Álvaro Santos. Como se não bastasse toda a beleza arquitetônica e a energia circulante no templo das artes visuais, o lendário J. Inácio fazia dos arredores um ateliê a céu aberto.


Numa casa de esquina, de frente para a rua Itabaiana e lateral para a praça Olímpio Campos, vizinha ao Palácio Inácio Barbosa, foi alojada a Secretaria de Cultura do Município. Naquela casa, das confabulações entre Lânia Duarte e Ilma Fontes, nasceu o Pipiri.


Era um mundo presencial. Um jornal impresso, lido em praça pública, dobrado debaixo do braço ou sacado da bolsa, era símbolo de conexão qualificada. O bom papo de hoje, iniciado ao cair da tarde e esticado noite adentro, poderia ser mote para o artigo ou notinha de amanhã.


Na calçada da Catedral Metropolitana, antiga matriz da Imaculada Conceição, acampavam as tribos do rock. De longe, se destacavam aqueles que, além da curtição do som, aderiam também a uma indumentária própria. Metaleiros e punks eram os mais vistosos.


Tudo passava por ali. As passeatas, as panfletagens dos partidos de esquerda e as mobilizações sindicais. Palestrante e convidados de um importante evento no Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, continuavam os debates caminhando pelas calçadas.


Havia uma meia dúzia de jornais impressos: uns diários, outros semanais. Em todos, mais ou menos, a política, as grandes obras, os anúncios e classificados, a página policial, o colunismo social e demais assuntos sérios, acabavam empurrando cultura e arte para um canto.


É nesse contexto que surge o Piriri – O Jornal da Cultura. No novo impresso, a arte e a cultura estariam em primeiro plano. Nascido e criado naquele pequeno circuito para o qual a cidade convergia, o Pipiri foi a sua cara e hoje é sua memória.


O Pipiri foi uma cereja no bolo! Agora, arte e cultura teriam um espaço privilegiado. Lá estão impressos diversos e importantes registros da expressão artística local, da cultura popular e de intercâmbios com artistas de fora que por aqui passaram.


Além de todo esse valor histórico, o Pipiri tem para mim um sabor especial. Nas suas páginas aconteceu a minha estreia no jornalismo, parido pelas mãos de Ilma Fontes. De lá, ela mesma me levou para a Folha da Praia, onde trabalhei por mais de dez anos.


O Pipiri foi uma iniciativa tão reluzente que permaneceu por diferentes gestões. Um dia, deixou de ser impresso, talvez porque o próprio chão do qual ele brotou, deixou de existir. Que o Pipiri seja memória viva e aqueça os corações dos novos guerreiros e guerreiras da arte e da cultura!


Talvez, quem for ao centro da cidade hoje, num domingo ou feriado, quando o movimento é quase zero, possa escutar o eco daquele burburinho antigo, do tempo em que o centro era centro em vários sentidos. Se duvidar, está aí o Pipiri que não me deixa mentir!

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Essa crônica foi originalmente publicada na Revista PIPIRI - Ano I - Nº 00 - Dezembro/2024 (pg. 30 e 31)

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